top of page
FUNDO WESLEY.png

Texto, fotos e edição de vídeos: Wemerson Ribeiro | Reportagem: Rudiney Freitas e Wemerson Ribeiro

Meio Ambiente

Wesley Silvestre

wesley.png
00:00 / 14:25
cinza.png

Basta apontar na esquina de sua casa, no Jardim Apurá, zona sul periférica da cidade de São Paulo, para saber que está no lugar certo. Ao longe, uma casa simples que se destaca das demais pelo enfeite natural das plantas que tomam conta do lugar. É ali que Wesley Silvestre, 32, mora com a mãe desde que se mudou do tradicional bairro da Mooca há cerca de 28 anos.

 

Resfriado após um dia inteiro debaixo de uma chuva fina no festival que ele mesmo organizou no domingo anterior, o líder do movimento pelo Parque dos Búfalos resolve dar prioridade à área verde que preenche o horizonte a partir de sua laje. Em suas mãos, um celular usado para fazer uma ligação a alguém de confiança: “Escuta, o que tá acontecendo aí embaixo?”, perguntou ao mirar a fumaça que se confundia com a cor cinza do céu. Para seu alívio, a resposta do outro lado da linha o satisfez. Não era outra queimada.

Wesley Silvestre

Wesley Silvestre se mudou do bairro da Mooca há 28 anos para morar no Jardim Apurá

Negro e de origem pobre, Wesley viu, desde a sua infância, que morar ali demandaria um esforço a mais de sua parte. Apesar de ter concluído a sua educação fundamental na escola que fica a poucas quadras, foi obrigado a frequentar o ensino médio no “Corujinha”, instituição que fica a cinco quilômetros de sua casa, enquanto tentava conciliar os seus estudos com a necessidade de ajudar os pais.

Curtir a infância era quase um luxo para o menino. Raramente, pegava-se brincando de esconde-esconde pelo bairro ou atravessando a represa a nado — quando esta ainda não era tão poluída. No lugar do futebol de rua e das risadas, o trabalho, logo aos nove anos. Como ajudante de pedreiro, limpador de obra ou vendedor de bala  na rua, encontrou um meio de ajudar nas contas de casa: “Meu pai sempre me contava que tinha começado a trabalhar com sete anos e eu achava que tinha que seguir o mesmo caminho”.

Wesley teve seu primeiro contato com a literatura através do romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, incentivado por Iracema, professora de português e homônima do clássico de José de Alencar. Ainda que soubesse separar as diferenças entre sertão (do livro) e cidade (de sua realidade), foi naquele momento que ele se identificou com a miséria contada na ficção e começou a criar mecanismos internos para mudar o próprio destino.

Como abraçou o bairro

 

A inquietação com as desigualdades e pautas sociais que se faziam presentes em sua vida ganhou corpo na Marcha da Maconha em 2011 quando, aos 24 anos, passou a se identificar como ativista pela primeira vez. Mesmo sob repressão policial naquela edição, Wesley decidiu abraçar de vez as suas convicções e, apenas dois anos depois, estava na Câmara Municipal debatendo sobre os zoneamentos do Jardim Apurá.

 

A briga pela preservação da área verde da região começou com a revogação do decreto de 2013 que previa a desapropriação de quase um milhão de m² na periferia para a implementação de um parque — caso fosse para frente, a reserva dos Búfalos se tornaria o segundo maior parque da cidade, ficando atrás apenas do Anhanguera, com 9,5 milhões de m². “Fizemos algumas manifestações e, em 2014, a gente começou a fazer os festivais de resistência justamente para ocupar o espaço com cultura, arte e esporte”, conta. 

 

Para dar mais visibilidade à luta, o movimento se viu obrigado a estreitar as relações com os grupos das áreas centrais de São Paulo, como o do Parque Augusta. E deu resultado. Com a repercussão gerada no bairro, foi possível reunir alguns moradores em prol do mesmo objetivo. É o caso de Anderson Jefferson, 37, que atua nos bastidores desde 2013: “A gente faz as coisas para ter um legado na nossa quebrada. Caso o Wesley abandonasse a causa, o movimento iria ficar muito debilitado. Como um paciente de câncer na UTI. Ele é o verdadeiro articulador, interlocutor, que faz esse confronto com as autoridades”.

"Foi uma injustiça construir no Parque dos Búfalos. De todos os parques de São Paulo, é a área que mais tem valor ambiental entre as cem áreas que estavam

destinadas a parques, como Parque Augusta, Vila Ema..."

— Wesley Silvestre

Desde o início, alguns ajustes no foco tiveram de ser feitos. Com a derrota imposta pela Prefeitura e a construção do Residencial Espanha já iniciada, o jovem deixou um pouco de lado a briga pelo Parque e passou a servir como uma espécie de ponte entre os novos moradores e o Poder Público no processo de cadastramento das famílias. Sem abandonar os projetos de conscientização no espaço, ele é um dos principais agentes responsáveis por lidar com toda a papelada e burocracia durante as transferências — a sua participação é ativa desde a primeira assinatura nos documentos até o deslocamento definitivo desse pessoal.

De acordo com os números oficiais do Município, a área recebeu 3.860 apartamentos, espalhados por 14 condomínios e 193 prédios; Wesley estima a desocupação de cinco favelas na cidade e cerca de 20 mil pessoas beneficiadas.

Sentindo na pele

 

Mais do que nunca, os debates em torno da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente tomam conta dos noticiários e dos debates, muitas vezes acalorados, do cotidiano. Atento ao que acontece na Amazônia, onde um a cada três focos de incêndio das queimadas deste ano têm a ver com o desmatamento, Wesley credita parte da responsabilidade ao Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles: “Ele faz no Governo Federal tudo aquilo que fazia no Estado de São Paulo, desmontando toda a política de fiscalização”. O político foi Secretário de Alckmin para assuntos ambientais.

 

Essa realidade não está tão distante do que ele vive no dia-a-dia, no Parque dos Búfalos. A área verde da reserva no Jardim Apurá é alvo constante de queimadas criminosas que, segundo o líder do movimento, muitas vezes são provocadas por interesses políticos. Para combater as chamas, ele conta com a ajuda de moradores da região, às vezes convocados pela página oficial do movimento, com onze mil curtidas.

A resistência de Wesley já motivou diversos ataques pela internet e até mesmo agressões físicas. No primeiro semestre deste ano, teve de passar um período afastado do bairro por temer a própria segurança: “Não saio sozinho na rua. Quando estou em casa, vivo de porta fechada. É real que os ativistas sofrem consequências por defender os seus ideais. A minha mãe tem muito medo porque a gente sabe que o Brasil é um país perigoso e tudo chega nela”. 

 

O meio encontrado por ele para se blindar dessa exposição foi filiar-se ao Rede Sustentabilidade, que tem como principal líder a ambientalista Marina Silva. Ele pondera, entretanto, que essa escolha foi estritamente pessoal e que o movimento não tem qualquer ligação com a sigla: “As circunstâncias de vulnerabilidade na região me fizeram buscar este caminho”.

inof novo.png

Dados: Prefeitura de São Paulo e Movimento Parque dos Búfalos (Arte: Wemerson Ribeiro)

Quando em contato com os moradores, Wesley costuma escutar reivindicações e propor essas demandas às autoridades em reuniões públicas. À parte das reclamações sobre a infraestrutura, como o déficit de transporte e centros de educação e saúde, outro problema que assola a região é o saneamento básico precário. Mesmo temeroso pela contaminação de alguma das 19 nascentes do Parque, a maior preocupação do líder é com a qualidade de vida das famílias.

A engenheira ambiental Camila Desco explica que a questão pode estar diretamente ligada a uma negligência da Prefeitura e, por consequência, ao lançamento de esgoto não-tratado na represa Billings, que cerca o bairro: "Toda vez que você faz um empreendimento deste porte, você precisa já ter no seu planejamento para onde vai ser feito o desvio, a captação e o tratamento de esgoto desse local. Muito antes das pessoas se instalarem lá, isso já tinha de estar bem definido."

Segundo a especialista, a complexidade da região deveria ter sido considerada durante a licitação para a construção dos prédios. Como conta, as licenças prévias para obras consideradas poluidoras em potencial precisam apresentar relatórios de impacto ambiental tanto para a gestão municipal quanto para os moradores e comerciantes dos arredores. Uma vez aprovadas, elas ainda podem ser suspensas caso sejam solicitados estudos no ecossistema local, o que provocaria um atraso na entrega  do empreendimento.

Festas para o povo

Os seus maiores xodós — além dos dois cachorros que tem como mascotes em sua casa — são os festivais que organiza com a ajuda de Anderson, responsável pela parte técnica dos eventos. Geralmente, eles acontecem na área de trás do Residencial uma vez por semestre, embora isso não seja uma regra.

A última edição reuniu amantes do raggae e, por causa do tempo chuvoso, foi mais tímida que a de março, quando o calor dividia as atenções com os grupos de pagode convidados. Mas nem por isso deixou de ser motivo de comemoração de Wesley. Como conta, só de “dar o recado” e de poder ter a presença de gente nova, os esforços valeram a pena.

 

Mão de obra local

 

Diariamente, milhares de pessoas se deslocam do bairro em direção às zonas centrais da cidade para seus trabalhos — no universo de 450 mil moradores, apenas nove mil têm o “privilégio” de ter seu sustento perto de casa. Para contornar a situação, o líder tenta desenvolver três projetos visando ao aumento de oportunidades de emprego na região. 

 

Uma das propostas apresentadas à Secretaria do Trabalho é a implementação de uma SAF (Sistema Agroflorestal) — horta comunitária em que os alimentos são cultivados e, ao mesmo tempo, recupera-se a mata. Além disso, ainda foram sugeridas duas cooperativas: uma de reciclagem e outra de pesca.

A última planeja retomar as atividades das pessoas que foram movidas da beira da represa Billings e, por consequência, perderam sua ocupação profissional. A ideia de Wesley é fazer do local aquilo que chama de “fazenda urbana”, cuja promessa é inserir o cidadão no mercado de trabalho e, simultaneamente, estimular a sustentabilidade. A Secretaria responsável pela pasta já mostrou disposição em seguir com as propostas, e a comunidade agora espera pela publicação do decreto.

Plantar hoje para colher amanhã

 

O legado de Wesley pode ser enxergado diariamente na região. O jovem desprendido de preconceitos e amarras deixa a vaidade de lado ao se definir apenas como “uma pessoa sem aptidão pelo poder”, mas que tem consciência do resultado de suas intervenções no Jardim Apurá. Seus esforços foram capazes de garantir a preservação de cerca de 550 mil m² de área verde do Parque, além da construção de uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para os moradores do bairro.

"Caso o Wesley abandonasse a causa, o movimento iria ficar muito debilitado.

Como um paciente de câncer na UTI"

— Anderson Jefferson

Ainda há muito trabalho a ser feito, mas, se depender dele, a briga pelo desenvolvimento sustentável do bairro não vai parar tão cedo. Perguntado sobre como o Parque dos Búfalos pode ser definido, ele é sucinto na resposta que o faz brilhar os olhos: "É um oásis dentro da periferia de São Paulo".

Três perguntas

O que é o meio ambiente e a sustentabilidade?

Meio ambiente é todo o entorno que você vive. Não só o mato ou a árvore. A sustentabilidade é a forma a qual se vive, como se vive. Quando você tem noção da sustentabilidade, você vive hoje visando o futuro. O amanhã.

O que o movimento significa para você?

Eu tenho vivido e respirado em prol disso. Acabou, não digo virando um karma, mas que faz parte da minha vida. Hoje, eu acordo às 8h da manhã para ver as mudanças das pessoas, faço parte de comissões, sou gestor conselheiro da área, e o movimento faz parte de tudo isso.

Há um caminho para viver melhor?

A sustentabilidade é o foco. As pessoas têm que partir para uma economia mais verde. Ter isso desde criança. Fazendo um trabalho já nos bebezinhos, não usando fralda descartável, usa fralda de pano, não usa tanta garrafa PET, ou faz outras coisas com garrafa PET. Sem sustentabilidade, a gente vai definhar e acabar em breve.

bottom of page