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Texto: Sofia Abreu | Fotos: Sofia Abreu | Reportagem: Daniele Bellini e Sofia Abreu

Edição de vídeos: Wemerson Ribeiro

Mobilidade

Ana Carolina

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Terra da garoa, capital econômica do País, estado mais populoso: são várias as descrições possíveis para São Paulo. Mas, para Ana Carolina Nunes, 28, só existe uma: lugar onde o Brasil se encontra. O motivo? Ana é filha de retirantes. O pai veio de Porto Alegre com 5 anos e a mãe, do interior da Bahia, aos 14. Por essa razão, durante toda a infância, Ana viajava de lá para cá. Eram horas dentro do carro viajando até o território baiano — e ela adorava. 

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Quando criança, um dos "passatempos" favoritos de Ana era passear

“Eu sempre tive contato com realidades diferentes que me permitiam saber onde que eu estava e acho que isso foi crucial para a minha formação.” Ana Carolina se formou em Comunicação Social pela Escola de Comunicações e Artes da USP, fez mestrado em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC e hoje é vice-presidente do SampaPé — organização sem fins lucrativos que tem como objetivo melhorar a experiência do caminhar nas cidades.

A relação com a mobilidade começou cedo. Ana nasceu e cresceu na Zona Leste de São Paulo, local que, para ela, era impossível não ter problemas com o transporte público. "Durante a faculdade, era muito difícil (cerca de 30 quilômetros até a USP). Não tinha linha amarela ainda, então eu sofria muito com esse tema e, por isso, comecei a me envolver com algumas organizações”. 

 

Apesar dos desafios impostos em seu período universitário, a maior dificuldade de Ana Carolina não foi na área do transporte: aos 12 anos, ela perdeu o pai. "Ele era o meu melhor amigo, a pessoa que mais me entendia no mundo". O fato impactou em sua "adultização" precoce, já que desde cedo precisou dar apoio emocional à família. 

"[O meu pai] era o meu melhor amigo, a pessoa

que mais me entendia no mundo"

— Ana Carolina

A primeira grande luta social foi no Metrô, em 2015. Junto com a jornalista Nana Soares, Ana decidiu implantar um plano de combate ao assédio por meio de um movimento chamado “Você não está sozinha”, que envolvia a elaboração de uma peça publicitária e treinamento para preparar a equipe em situações de crime. “Foi bem legal, ele se expandiu e hoje não é só o Metrô que faz. A campanha atual é feita junto com a SPTrans e CPTM, então esse é um tema que entrou para a agenda do transporte público em São Paulo”.

Trajetória até o SampaPé

 

A partir da mobilização do metrô, Ana Carolina não parou mais. Conheceu o Cidadeapé — associação criada em 2015 para dar representatividade aos pedestres da qual é diretora até hoje —, o movimento pela Paulista Aberta e, claro, o SampaPé. "A Letícia (fundadora do SampaPé) eu conheci durante os trabalhos do Cidadeapé e ela me convidou para integrar a organização. A área de mobilidade e cidade tem as carinhas que estão sempre lá e eu fui me aproximando, vendo que tinha coisa para fazer, campo para avançar e eu entrei", relembra. 

 

O SampaPé foi fundado em julho de 2012 como um coletivo que realizava passeios a pé por São Paulo a fim de melhorar a relação das pessoas com a cidade. Entretanto, não demorou para que o foco mudasse. A organização passou a trabalhar com conceitos como "caminhabilidade" (do inglês, walkability) e discutir com o Poder Público as melhores soluções para o pedestre.  

A primeira grande conquista dos movimentos pela mobilidade em São Paulo foi a Paulista Aberta em 2015, ano em que Ana Carolina passou a fazer parte do SampaPé. Segundo Letícia Sabino, 30, ela e a Ana se conheceram durante o início da campanha pela Paulista Aberta, enquanto ainda estavam em um momento de panfletagem. "Ela apareceu lá em um domingo com outras pessoas que também estavam participando da mobilização para somar, entender como era, ver como poderia colaborar e era um momento que a gente ainda estava explicando para as pessoas o que era aquilo. E aí eu conheci a Ana nesse contexto e achei incrível como rapidamente ela abraçou o processo".

A partir daí, a parceria só aumentou. Naquele ano,  Letícia estava com viagem marcada para fazer o mestrado em Planejamento Urbano e Design de Cidades em Londres e, para não deixar o SampaPé morrer, convidou a Ana e uma outra colega, Nara Rosetto, para integrarem a organização. "Foi um momento muito difícil, de muita confiança, entrega e coragem, porque eu conhecia elas há pouco tempo, mas enfim, eu estava indo fazer o mestrado e eu sabia que o SampaPé não podia acabar e ele tinha que se expandir e agregar outras habilidades. Portanto, eu achei que era um momento ótimo de fazer isso". E ela estava certa. 

 

Ana Carolina aceitou o desafio e logo de início assumiu várias frentes, em especial, a mobilização pela abertura da Avenida Paulista. "Eu entrei em uma época em que a Letícia estava indo fazer o mestrado em Londres, então fiquei segurando as pontas por aqui, tentando tocar algumas coisas. Isso foi no final de 2015, no auge da mobilização. Eu continuei o diálogo com a Prefeitura, que a Letícia tinha iniciado, para pressioná-la a liberar o programa", conta.

 

Após a concretização do projeto, Ana Carolina passou aproximadamente um ano negociando com o Poder Público a consolidação das outras etapas do programa Ruas Abertas — assim como a Paulista, pelo menos uma rua de cada Subprefeitura deveria ser aberta. Isso nunca saiu do papel.

 

Assim como outros movimentos, o SampaPé passou e passa por obstáculos, e o programa Ruas Abertas foi só mais um deles. Diferentemente de grandes organizações como o Greenpeace, que existe uma estrutura grande por trás, o movimento que Ana coordena é mais modesto. Todo mundo cuida de tudo ao mesmo tempo: venda de projeto, administração e gerência. Além disso, das entidades que trabalhavam há quatro anos com financiamento institucional constante, metade já não existe. 

 

"A gente tem que trabalhar basicamente com projetos, e isso tem uma dificuldade em como você administra o tempo, porque às vezes você está com vários projetos e a carga de trabalho alta e, em outros momentos, fica sem nada. É uma instabilidade muito grande", afirma Ana.

Ponto de virada

Ana Carolina é representante da temática de Mobilidade a Pé no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito, cadeira que antes nem existia. Por lá, já conseguiu criar um espaço de diálogo da sociedade civil com representantes técnicos da Prefeitura para discutir políticas e cobrá-las. "Isso tem sido muito importante para a gente. Porque nós somos visíveis, somos presentes e eles sabem que vamos estar sempre ali para lembrar que a pé é o principal meio de transporte da cidade e que as políticas impactam na maneira como as pessoas caminham", explica.

 

Um dos avanços no Conselho foi a criação do Estatuto do Pedestre em 2017, que busca consolidar a caminhada cotidiana como modo de transporte a ocorrer em rede, confirmando a prioridade do pedestre que já é garantida pela Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012). Segundo o documento, o transporte a pé é prioridade número um nas cidades, seguido pelo transporte público, transporte de carga e, por último, carros e modos particulares. Até o momento, o estatuto ainda não foi regulamentado pela Prefeitura. 


E a segurança?

 

Para responder a essa pergunta, Ana Carolina cita uma grande mestra e amiga, Meli Malatesta: segundo ela, as pessoas preferem ser atropeladas do que assaltadas. "Se você está andando na calçada e vê que uma pessoa está assaltando alguém nesse mesmo caminho, você vai atravessar a rua onde quer que você esteja". Só em 2018, foram 828 acidentes fatais no trânsito, sendo 350 por atropelamentos. Para a ativista, o medo de ser atropelado e de ser assaltado são frutos da mesma raiz: a construção de uma cidade murada que não é amigável para o caminhar — meio de locomoção que faz parte da vida de dois terços dos paulistanos todos os dias.

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Dados: Relatório anual de acidentes de trânsito em SP - 2018 (Arte: Wemerson Ribeiro)

“As cidades não estão preparadas para os pedestres, negligenciam a escala do pedestre desde quando o automóvel se tornou o transporte priorizado por políticas públicas, pelo planejamento urbano e pela economia. Toda nossa infraestrutura viária é pensada para o carro circular”, afirma Kelly Fernandes, analista em mobilidade urbana no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). De acordo com a especialista, a melhoria na relação entre pedestres e condutores de veículos depende da compreensão de que as pessoas a pé não estão restritas à calçada, e acrescenta que algumas medidas podem rapidamente melhorar os espaços para os pedestres: “faixas verdes, projetos de ruas de lazer — que se tornam espaço para ciclistas aos finais de semana — e alargamento de esquinas são medidas que favorecem, porque a travessia do pedestre fica mais rápida”.

Para mudar o cenário, Ana aposta na transformação da cidade por meio do debate público: "Eu acho legal que, nesse movimento pela reforma e pela transformação das cidades, a nossa participação enquanto jovens é extremamente essencial e disruptiva, porque a gente está aqui para falar não só sobre um novo modelo de cidade, mas um modelo de mundo".

 

O papel dos jovens também é fundamental para transformar os sujeitos responsáveis por cuidar das cidades, explica a ativista. "É preciso aumentar a pluralidade de pessoas que participam dos debates, e os movimentos sociais são a base para questionar os modelos de se fazer ativismo, de se pensar política e cidade".

"A gente está aqui para falar não só sobre um novo modelo de cidade,

mas um modelo de mundo”"

— Ana Carolina

Novas políticas

 

Para os próximos cinco anos, Ana Carolina espera trabalhar com políticas públicas e, principalmente, em um cenário mais esperançoso. A expectativa é de que o ativismo pela mobilidade esteja mais difundido e mais incorporado na sociedade. "A gente segue trabalhando para que essa pauta seja suficientemente importante e continue ganhando relevância conforme as pessoas queiram trabalhar com isso". 

 

Segundo a jovem paulistana, toda luta deve ter um fim. Afinal, a hora de um movimento se dar por satisfeito é quando as metas propostas foram alcançadas e sua existência não se faz mais necessária. "Essa tem que ser a nossa direção sempre. Ou a gente se move para transformar as coisas agora, ou vai ficar cada vez mais difícil da gente viver".

Três perguntas

De onde surgiu essa inquietação pelas pautas sociais?

Eu tinha uma origem um pouco única em relação aos meus amigos. A maioria era descendente de italiano, espanhol e português, e essa não era minha origem. Sou de uma família de retirantes, então sempre tive contato com realidades sociais diferentes desde sempre. Tenho parentes que têm uma condição de vida super confortável e tenho parentes que têm uma condição de vida bastante humilde até hoje. Enfim, eu circulo nesses mundos. Desde criança eu sei que existem pessoas que vivem na pobreza, pessoas que são injustiçadas, eu via isso com os meus próprios olhos. Acho que essas coisas os meus pais sempre tiveram o cuidado de deixar isso muito claro pra mim.

Você já fez parte de uma grande manifestação?

Participei das manifestações de 2013, mas lembro que fui para rua a partir do momento que teve a repressão policial, mais por causa dessa resposta extremamente agressiva e violenta do Estado, além do interesse na democratização do transporte público. Me incomodei quando vi um tom um pouco ufanista, excessivamente generalista de algumas das pautas. Eu acho que isso é um pouco perigoso, estou convencida de que 2018 é um dos produtos de 2013.

É possível traçar um panorama para os próximos anos do movimento?

Espero que daqui a cinco anos a gente esteja em um cenário que nos permita ter mais esperança, porque acho que isso nos foi tirado, especialmente nos últimos dois anos. Tem sido difícil encontrar motivação em frente a tantas derrotas. Eu espero que daqui a cinco anos eu esteja mais esperançosa e contente com o contexto.

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